Resumo: A presente tese pretende responder a duas questões, e seus desdobramentos. Em primeiro lugar, investiga-se de que maneira discursos acerca das práticas erótico-afetivas entre homens, presentes em obras médicas escritas na Bahia na década de 1890, passaram a tratar esses comportamentos como o produto de determinados corpos, caracterizados como intrinsecamente anômalos; em segundo lugar, como a Psiquiatria propiciou instrumentos e vocabulário para pensar distinções entre seres humanos com base num erotismo não-heterocentrado, ao longo do processo de estabelecimento e consolidação deste campo do saber médico na Faculdade de Medicina da Bahia. Mais que elaborações abstratas, conceitos como ‘homo-sexual’, ‘homo-sexualismo’, ‘inversão sexual’ e ‘androphilismo’, permitiram tematizar tensões sociais do Brasil urbano em fim dos oitocentos. Derivado das questões anteriores, pretende-se entender de que maneira os discursos de inspiração psiquiátrica acerca de sujeitos que se dedicavam a práticas erótico-afetivas não-heterocentradas se articulavam com outros, envolvendo as distinções entre os gêneros, e as pretensas hierarquias naturais entre raças humanas. Tal conexão permitiria discorrer sobre práticas erótico-afetivas individuais consideradas dissidentes destacando suas repercussões no plano social. Para levar a cabo este estudo, foi realizada uma pesquisa nas teses sustentadas pelos finalistas do curso médico na Faculdade de Medicina da Bahia entre 1880 e 1900, que trataram do tema quer direta, quer tangencialmente, valendo-se de conceitos e noções elaborados pela Psiquiatria. Este corpus documental foi suplementado por periódicos especializados, textos literários e/ou de outros campos do saber que possuem partilhas, inclusive temáticas e conceituais, com os assuntos das teses. A análise está ancorada sobretudo num diálogo com a historiografia no campo de História da Medicina e da Psiquiatria no século XIX, bem como com estudos sobre História da Homossexualidade masculina nos oitocentos, em particular na Bahia. Também se realizou, quando pertinente, o diálogo com a historiografia referente à produção da raça como uma questão científica no Brasil do período.
Link para baixar: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/36887
Tag: História
Gênero, homossexualidade e saber médico na Bahia do século XIX
Trecho
Tratando da história da homossexualidade no Brasil, James N. Green e Ronald Polito fizeram um diagnóstico pouco otimista: antes de 1870, as fontes produzidas sobre a homossexualidade são extremamente raras. Registros inexatos, esquivos, séries pouco claras ou de localização difícil, este seria o panorama para o historiador. (2004, p.p. 17) Décadas antes, este também foi o diagnóstico de João Silvério Trevisan (2011, p.p. 169-173): com o fim da Inquisição, que punia os sodomitas, e a falta de legislação criminal direta similar no Brasil império, tornou-se consideravelmente mais complicado obter fontes para tratar desta temática. Provavelmente as fontes mais importantes eram as de natureza médica, e o marco, para ambos, foi representado por uma obra intitulada Da Prostituição em Geral, e em Particular em Relação à Cidade do Rio de Janeiro: Prophylaxia da Syphilis, da autoria de Francisco Ferraz Macedo, escrita em 1872 na qual em um de seus capítulos, o autor dissertou sobre a prostituição masculina sob a rubrica da sodomia. A partir daí, a produção sobre o tema, na forma de teses de fim de curso da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, periódicos científicos, livros de medicina legal e processos-crime começou a se multiplicar. O ponto de viragem para uma espécie de ampliação discursiva veio com a obra de Pires de Almeida O homossexualismo – a libertinagem no Rio de Janeiro, datada de 1906 (GREEN e POLITO, 2004, p.p. 29-30). Em certa medida, esta obra espelharia o mesmo processo que se deu na Europa em 1870, quando surgiu com Westphal um termo para designar aqueles homens tinha algum tipo de desejo sexual ou afetivo pelo mesmo sexo. Lembra Foucault que foi a partir daí que se poderia falar de um homossexualismo enquanto patologia específica, dotada de profilaxias, causas e uma nova espécie de corpo doente – o homossexual, com seu passado, caráter, forma de vida, meio. Com este marco, emergiu todo um conjunto de seres que serão objetos para a clínica e medicina legal nas décadas seguintes (GREEN & POLITO, 2004, p.p. 77-93). Contudo, mesmo antes dos anos 1890 do século XIX foi possível encontrar um conjunto de referências ao erotismo entre pessoas do mesmo sexo, sobretudo entre homens. (…)
Publicado em: Anais eletrônicos do VII Encontro Estadual de História: Diálogos da História, 30 de setembro a 03 de outubro de 2014
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Efeminação em escritos do século XIX: anotações prévias de um problema (1853- 1890)
Resumo
No século XIX, a categoria de ” efeminação ” surgiu aqui e ali como uma característica negativa ostentada de certos indivíduos do gênero masculino, em diversos documentos diferentes. Tanto nos jornais quanto nos romances, bem como em teses de douramento dos jovens médicos, uma descrição nada lisonjeira acompanhou os homens que agiram, falaram, se vestiram ou se comportaram como integrantes do gênero oposto. O objetivo deste artigo é investigar distintos enquadramentos de sujeitos efeminados em diferentes fontes, e as conexões e diferenças entre estas categorizações que povoavam o imaginário do império brasileiro.
A homossexualidade no século XIX: Historiografia, fontes, possibilidades e problemas
Resumo
Na produção historiográfica nacional sobre a homossexualidade, os estudos que se propõe a problematizar fontes datadas do século XIX ainda são minoritários quando comparados com trabalhos que analisam o período colonial ou o século XX. Ainda assim, grande par te dos autores reconhecem a impor tância dos debates médicos e jurídicos sobre a homossexualidade, que embora tenham tido maior penetração a par tir das décadas de 1910 e 1920, foram elaborados ainda no contexto final dos oitocentos. Um dos motivos apontados para esta ausência é o exíguo número de fontes que podem ser acessadas pelo historiador. Neste ar tigo, pretendo realizar um balanço das principais contribuições historiográficas para o estudo do tema, bem como apontar as possibilidades e problemas encontrados pelo historiador quando trabalha com fon-tes datadas do período, visando mostrar que, apesar da pouca quantidade, é possível, com os devidos cuidados, analisar a produção discursiva sobre a homossexualidade no século XIX, sobretudo tomando como referências fontes médicas.
Publicado em: Anais eletrônicos do VII Encontro Estadual de História: Diálogos da História, 30 de setembro a 03 de outubro de 2014
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A Captura do Prazer: Homossexualidade Masculina e Saber Médico na Bahia do Século XIX (1850-1900)
Resumo
O objetivo deste trabalho é examinar a construção de um discurso sobre a homossexualidade masculina no século XIX, a partir centralmente das teses de final de curso dos estudantes da Faculdade de Medicina da Bahia. De uma denúncia moral, durante os anos 1850 e 1860, a homossexualidade lentamente transformou-se numa categoria analítica médica que ajudava a criar e/ou nomear certos sujeitos, indignos de integrar plenamente o corpo da nação brasileira. Assim, em temas tão diversos como a higiene das famílias, do casamento, dos colégios, aspectos biológicos do criminoso, degeneração, libertinagem, entre outros., é possível observar o entrelaçamento cada vez mais firme entre prática sexual, padrões de masculinidade e inferioridade biológica como marcadores da (a)normalidade de certos indivíduos. Por fim, no final do século, emerge uma patologia nova para nomear e intervir em velhos sujeitos, empreitada necessária para manter a ordem na sociedade politicamente convulsionada no final do século XIX.
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