ONDE RAÇA ENCONTRA O SEXO Nina Rodrigues, classes perigosas e pederastas na Salvador de fins dos oitocentos


Primeiro livro publicado pelo médico maranhense Nina Rodrigues, As Raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil é um dos documentos mais importantes para refletir sobre as relações entre a Medicina e a manutenção de hierarquias sócio raciais entre fins do século XIX e começo do XX. Ora, trata-se de um documento revelador de dimensões múltiplas, nas quais convergiam o debate sobre mestiçagem, a leitura de certos sujeitos como degenerados, e a, também, práticas erótico-afetivas entre homens. Neste artigo, pretendo analisar as considerações do autor acerca das relações entre raça a sexualidades rebeldes, indicando a necessidade articular estes dois atravessamentos. Para tal, recorrerei a história social em diálogo próximo com os estudos de gênero e os estudos queer.

Link do artigo: https://seer.franca.unesp.br/index.php/historiaecultura/article/view/3975

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Esse artigo resume a introdução da minha tese, ‘O rol dos perversos’, defendida no ano passado.

Representações da Antiguidade Clássica e o processo de nomeação de sexualidades divergentes no século XIX (1850-1900)

link para o artigo: https://revista.ueg.br/index.php/revistahistoria/article/view/12211

Nesta nota de pesquisa publicada na Revista de História da UEG, eu apresento algumas das reflexões que continuam me perseguindo: os elementos que tornam o erotismo entre pessoas do mesmo gênero enquadrável e dizível, tomando por bases personagens, textos e episódios da antiguidade greco-romana. A minha sensação é que muito do que parece inexistente ou invisível, no século XIX, passaria por essas lentes.

Lançamento de Capítulo de Livro – dia internacional de combate a LGBTfobia.

Boa noite a todas, todes e todos. É uma alegria enorme estar aqui. Agradeço muito a Elias, Rita e Benito, pela oportunidade de participar do simpósio, dos comentários generoso e atentos ao meu trabalho e, agora, da oportunidade de publicação. Bem como a Roberta, pela parte técnica, e a você, Joana, pela mediação. Eu preparei um pequeno material, para não me perder.
Meu nome é Daniel, e sou historiador formado pela UFBA até o doutorado, orientado pela professora Lígia Bellini. Desde 2013, trabalho com história da homossexualidade masculina no século XIX, sob o viés da higiene, da medicina legal e, atualmente, da psiquiatria. Neste capítulo, intitulado “Sobre andrômanos e ephebos: Notas sobre corpos rebeldes em Abel Botelho e Alfredo Gallis (1891-1906)”, um dos frutos do meu período Sanduíche no ICS/Ulisboa, orientado pela Drª Cristiana Bastos, eu faço uma incursão um tanto fora da minha área de atuação mais confortável, e busco refletir sobre literatura isso é, sobre duas obras literárias que foram influenciadas por concepções médicas.
A primeira é O Barão de Lavos, de Abel Botelho, publicada em 1891; a outra é o Sr. Ganymedes, de Alfredo Gallis, também conhecido como Rabelais, publicada em 1906. As duas obras foram escritas por autores portugueses, mas circularam dos dois lados do atlântico – estamos falando de uma rede de leitura e, sobretudo, de circulação de livros e ideias, e que não se limitava a um ou outro país. E as duas podem ser pensadas, de modo sumário, como naturalistas ou influenciadas pelo naturalismo. Isso explica o uso constante de metáforas, noções, vocabulário e abordagens dadas por obras de cariz médico psiquiátrico quando se tratava de práticas erótico-afetivas consideradas como dissidentes – Botelho vai falar de “atavismo”, e de “degeneração” no sentido médico; Gallis, por sua vez, vai citar explicitamente a obra do médico alemão Richard von Krafft-Ebing.
O barão de Lavos foca na vida de um nobre português, e no seu processo de decadência física e moral e morte em função de sua “andromania”, sua obsessão por se relacionar sexualmente com outros homens que corporificassem seu ideal de beleza, influenciado por exemplos pinçados da antiguidade clássica e do renascimento; já a obra de Alfredo Gallis, posterior, se detém sobre as desventuras de um efebo, isso é, um “invertido sexual” da classe burguesa em busca de um casamento de fachada com uma mulher mais velha e rica para manter um modo de vida extravagante com seu amado.
Os dois romances partilham, em larga medida, de uma leitura peculiar sobre o corpo, distinta da de algumas obras anteriores. Enquanto em obras como “O Ateneu”, ou ainda “Um homem gasto” os corpos, sexual e afetivamente desviantes são apresentados como perfectíveis, isso é, passíveis de uma intervenção normativa saneadora – quer médica, quer de outra ordem – estes dois trabalhos apontam para uma percepção algo distinta, na qual a diferença estava marcada na própria ordem da natureza.
Contudo, neste sentido, talvez inadvertidamente, os autores terminam apontando para os próprios limites de suas construções conceituais sobre gênero e sexualidade, e insistindo da necessidade da adoção de medidas de outra ordem, para deter os desviantes em nome do que se compreendia como “honra e segurança das famílias” – neste sentido, em script algo diverso daquele indicado pela medicina. Estes debates e redefinições sobre corpo, natureza, hierarquias e perfectibilidades no campo das sexualidades e afetividades dissidentes também tiveram lugar aqui no Brasil. Mas isso… é outra história.
É como se indicando o abjeto em termos emprestados pela medicina, definindo os contornos do invisível, dizendo do indizível, os dois literatos lusitanos terminam apontando a existência de outras configurações possíveis; e que, quando a ciência falhava em tratamentos ou previsões, a violência poderia ser um recurso de intervenção contra determinados sujeitos fora de ordem. Mas aí já é spoiler!
É isso, gente. Obrigado por terem me ouvido, fiquem bem. Viva o SUS, viva a luta de pessoas LGBTQI+ e fora genocidas! Obrigado.

Link: https://www.letraevoz.com.br/produtos/clio-sai-do-armario-historiografia-lgbtqia/

Brevíssima nota sobre o dia de combate a LGBTQI+fobia e a história.

(em comemoração ao 17 de maio de 2020, dia mundial contra LGBTQI+fobia)

Olá, bom dia a todas, todes e todos. Meu nome é Daniel Silva, e sou doutorando em história social pela Universidade Federal da Bahia. Hoje eu gostaria de dividir com vocês um pouco da minha trajetória de pesquisa como historiador LGBTQI+.

Eu comecei a pesquisar este tema em 2013, quando ingressei no mestrado em História na Universidade Federal da Bahia, onde eu havia me formado. Ao longo dos anos finais do curso, eu desenvolvi um interesse muito grande em trabalhar com história da sexualidade e da homossexualidade em particular, por conta do meu envolvimento com um cineclube/grupo de militância chamado “tardes de cinema”.

Eu queria me dedicar a um tema que me mobilizasse enquanto indivíduo, e me incomodava o silêncio que havia sobre este conjunto de sujeitos, experiências e práticas afetivas e representações culturais.

Vários períodos pareciam interessantes, mas o que me encantou mais foi o século XIX, que naquele momento ainda era menos estudado em comparação com outros períodos, como o século XX e o período colonial.

Agora, nisto havia um problema. As fontes apontadas pela historiografia eram mais limitadas para os oitocentos. Neste sentido, um dos principais espaços onde se podia encontrar alguma documentação eram as Faculdade de Medicina, no meu caso, a da Bahia. Ainda assim, a documentação que eu encontrei e coletei tratava quase sempre sobre o homoerotismo masculino. Claro, era um olhar enviesado, que na melhor das hipóteses podia apontar experiências um pouco que “por cima do ombro” dos médicos e estudantes de medicina baianos, ocupados em analisar a realidade para capturar experiências diferentes, repreender e, até, punir, a pretexto de apontar “tratamentos” para os considerados divergentes.

Eu optei, portanto, por me dedicar ao estudo do discurso médico sobre esta temática, e venho me ocupando disto desde então, ainda que sob diferentes perspectivas. A literatura do período passou a me interessar por, em certa medida, se utilizar de teorias sobre corpo, ciência, psiquê, emoções, higiene, raça que também estavam presentes na documentação médica. Uma preocupação parecida me levou para o discurso de autores oitocentistas sobre a história, e o viés moralizando que se construiu a respeito de períodos históricos pregressos em função de sua adequação a padrões de gênero e de sexualidade pertinentes ao século XIX.

Um dos elementos que dificultam a escrita da história neste período é a ausência de uma terminologia sequer vagamente uniforme. O termo “homossexual” só aparece na minha documentação médica que eu pesquiso na última década do século XIX, e vai levar um bom tempo para se consolidar no século seguinte. Antes e depois, outros termos aparecem, como “sodomia”, “pederastia”, “vício grego”, “vício infame”, “efeminação”, “mignon”, “maricas” etc. Às vezes nem isso: aparecem comparações com períodos históricos pregressos da história europeia, como a antiguidade clássica, o renascimento italiano ou o período moderno.

Um caminho possível é a leitura desta documentação a partir dos estudos de gênero, o que permite analisar as representações e narrativas médicas articuladas com certas concepções oitocentistas do que seja masculinidade e feminilidade,

Acredito que este período é dos mais interessantes para o historiador. Certas representações médicas sobre sexualidades divergentes que começam a ser esboçadas no século XIX são muito parecidas com aquelas utilizadas por pessoas e grupos politicamente articuladas com um projeto de país desigual, autoritário e reacionário. Neste sentido, apontar os pressupostos e a história deste saber médico é uma forma de desnaturalizar a maneira como história do Brasil se construir, e combater certo tipo de narrativa LGBTQIfóbica da história, quer por operar silêncios dos que apontam os limites e fragilidades de padrões desiguais socialmente aceitos. Obrigado, viva o 17 de maio, viva a resistência das pessoas LGBTQI+ todas as horas e todos os dias.

Conversando com sua História: A história como tradução: erotismo e afeto entre homens no século XIX (1850-1900)

 

O Conversando com a sua História – promovido pelo Centro de Memória da Bahia, da Fundação Pedro Calmon/ SecultBA – tem como tema Masculinidades, Sexualidade e Identidade e, acontecerá na terça-feira 29/MAIO às 17h, no Foyer da Biblioteca Central do Estado da Bahia (Barris). A palestra será transmitida ao vivo na Página do Facebook do Centro de Memória da Bahia.

29 de Maio, às 17h | A história como tradução: erotismo e afeto entre homens no século XIX (1850-1900)

Palestrante: Daniel Silva – Bacharel (2013) e mestre (2015) em História pela UFBA, onde também desenvolve seus estudos de doutorado. Desde 2012 pesquisa discursos sobre sexualidade e homossexualidade na Bahia oitocentista especialmente envolvendo periódicos, literatura e a produção sobre o tema da Faculdade de Medicina da Bahia. Atua, também, como Analista Legislativo na Assembleia Legislativa do Estado da Bahia.

A antiguidade clássica foi referência comum em livros, periódicos e outros tipos de documentos que circularam nas cidades de Salvador, Lisboa e Rio de Janeiro no século XIX. Com base na história e na mitologia do período e usando de menções a personagens e episódios operavam-se de forma a constituir aquilo que era considerado virtuoso ou adequado socialmente. Há que se notar, porém, o caráter fortemente binário dessa operação. Se existia a virtude de Catão ou de Augusto havia a dimensão negativa: os exemplos viciosos. Essa palestra ressaltará uma fração desse rol indesejável, formada por personagens da antiguidade infamados por manterem relações erótico-afetivas com outros homens, utilizados como marcador de infâmia para a conduta de certos sujeitos na Cidade da Bahia e em outras cidades atlânticas no século XIX.

Imagem e informações da Fundação Pedro Calmon

Palestra: A homossexualidade no século XIX: historiografia, fontes, possibilidades e problemas

Título: A homossexualidade no século XIX: historiografia, fontes, possibilidades e problemas

Palestrante: Daniel Vital dos Santos Silva (Mestrando pelo PPGH-UFBA)

Resumo: Na produção historiográfica nacional sobre a homossexualidade, os estudos que se propõem a estudar este tema no século XIX ainda são minoritários quando comparados com trabalhos que analisam o período colonial ou o século XX. Ainda assim, grande parte dos autores reconhece a importância dos debates médicos e jurídicos sobre a homossexualidade, que, embora tenham tido maior penetração a partir das décadas de 1900-1920, foram elaborados ainda nos oitocentos. Um dos motivos apontados para esta ausência é o exíguo número de fontes que podem ser acessadas pelo historiador. A palestra pretende apontar  as possibilidades e problemas encontrados pelo historiador quando trabalha com fontes produzidas no período, sobretudo quando se debruça sobre esse tema em documentos de natureza médica. A exiguidade das fontes é um convite a análises mais sofisticadas.

Data: 29/09/2014
Horário: 17h

Local:  Rua General Labatut, 27 – Barris Salvador/BA, Biblioteca Pública do Estado da Bahia – Sala Kátia Mattoso