(em comemoração ao 17 de maio de 2020, dia mundial contra LGBTQI+fobia)
Olá, bom dia a todas, todes e todos. Meu nome é Daniel Silva, e sou doutorando em história social pela Universidade Federal da Bahia. Hoje eu gostaria de dividir com vocês um pouco da minha trajetória de pesquisa como historiador LGBTQI+.
Eu comecei a pesquisar este tema em 2013, quando ingressei no mestrado em História na Universidade Federal da Bahia, onde eu havia me formado. Ao longo dos anos finais do curso, eu desenvolvi um interesse muito grande em trabalhar com história da sexualidade e da homossexualidade em particular, por conta do meu envolvimento com um cineclube/grupo de militância chamado “tardes de cinema”.
Eu queria me dedicar a um tema que me mobilizasse enquanto indivíduo, e me incomodava o silêncio que havia sobre este conjunto de sujeitos, experiências e práticas afetivas e representações culturais.
Vários períodos pareciam interessantes, mas o que me encantou mais foi o século XIX, que naquele momento ainda era menos estudado em comparação com outros períodos, como o século XX e o período colonial.
Agora, nisto havia um problema. As fontes apontadas pela historiografia eram mais limitadas para os oitocentos. Neste sentido, um dos principais espaços onde se podia encontrar alguma documentação eram as Faculdade de Medicina, no meu caso, a da Bahia. Ainda assim, a documentação que eu encontrei e coletei tratava quase sempre sobre o homoerotismo masculino. Claro, era um olhar enviesado, que na melhor das hipóteses podia apontar experiências um pouco que “por cima do ombro” dos médicos e estudantes de medicina baianos, ocupados em analisar a realidade para capturar experiências diferentes, repreender e, até, punir, a pretexto de apontar “tratamentos” para os considerados divergentes.
Eu optei, portanto, por me dedicar ao estudo do discurso médico sobre esta temática, e venho me ocupando disto desde então, ainda que sob diferentes perspectivas. A literatura do período passou a me interessar por, em certa medida, se utilizar de teorias sobre corpo, ciência, psiquê, emoções, higiene, raça que também estavam presentes na documentação médica. Uma preocupação parecida me levou para o discurso de autores oitocentistas sobre a história, e o viés moralizando que se construiu a respeito de períodos históricos pregressos em função de sua adequação a padrões de gênero e de sexualidade pertinentes ao século XIX.
Um dos elementos que dificultam a escrita da história neste período é a ausência de uma terminologia sequer vagamente uniforme. O termo “homossexual” só aparece na minha documentação médica que eu pesquiso na última década do século XIX, e vai levar um bom tempo para se consolidar no século seguinte. Antes e depois, outros termos aparecem, como “sodomia”, “pederastia”, “vício grego”, “vício infame”, “efeminação”, “mignon”, “maricas” etc. Às vezes nem isso: aparecem comparações com períodos históricos pregressos da história europeia, como a antiguidade clássica, o renascimento italiano ou o período moderno.
Um caminho possível é a leitura desta documentação a partir dos estudos de gênero, o que permite analisar as representações e narrativas médicas articuladas com certas concepções oitocentistas do que seja masculinidade e feminilidade,
Acredito que este período é dos mais interessantes para o historiador. Certas representações médicas sobre sexualidades divergentes que começam a ser esboçadas no século XIX são muito parecidas com aquelas utilizadas por pessoas e grupos politicamente articuladas com um projeto de país desigual, autoritário e reacionário. Neste sentido, apontar os pressupostos e a história deste saber médico é uma forma de desnaturalizar a maneira como história do Brasil se construir, e combater certo tipo de narrativa LGBTQIfóbica da história, quer por operar silêncios dos que apontam os limites e fragilidades de padrões desiguais socialmente aceitos. Obrigado, viva o 17 de maio, viva a resistência das pessoas LGBTQI+ todas as horas e todos os dias.