O mundo dos maricóns, anarquistas e boêmios na Barcelona dos anos 1920.
Neste drama de Pedro Olea, ambientado na Barcelona dos anos 1920, homossexualidade, segredos e resistência se entrelaçam, num enredo fascinante. Lluis de Serracant (José Sacristán), filho de uma das famílias mais nobres da cidade, durante o dia atua como advogado engajado na defesa de operários presos pelo regime ditatorial de Miguel Primo de Rivera. A noite, entretanto, ele trabalha no cabaré Bataclan, sob a alcunha de Flor de Outono, cantora mais popular do local. O filme gira em torno do mistério da morte de uma outra travesti, a Coquinera (Antonio Corencia). As duas brigam durante o show de Flor de Outono, e quando a outra aparece morta na manhã seguinte, Flor de Outono é a principal suspeita da polícia e do perigoso noivo da Coquinera, Armengol (Roberto Carmadiel). Flor de Outono precisa, então, manobrar cuidadosamente sua vingança contra Armegol, sua atuação como principal articulador de um plano para eliminar Primo de Rivera, e a revelação de sua sexualidade para a mãe.
Flor de Outono foge bastante ao esteriótipo, comum em filmes dos anos 1970 e 80, que mostram a homossexualidade descolada de outros debates políticos da sociedade, ou mesmo sob uma ótica positiva. Embora com contornos de uma experiência trágica, a amargura presente em filmes como Os Rapazes da Banda (1970) não está presente na narrativa. O destino de Flor de Outono não parece predeterminado ou infeliz por natureza, mas sim sujeito a mudanças vindas de lutas políticas. Por outro a lado, o enredo não esconde as cenas de intimidade e carinho, tanto de Flor de Outono com seu namorado, Ricard (Carlos Piñero) como entre a Coquinera e Armengol. Considerando as condições do cinema nos anos 1970, e o impacto que filmes posteriores que mostraram cenas com o mesmo conteúdo, a exemplo de O segredo de Brokeback Mountain (2005), Alexandre (2004), o filme coloca a questão com muita naturalidade – especialmente quando comparados com filmes como Para Wong Foo, obrigado por tudo (1995), onde os personagens são colocados na categoria de anjos sem sexo.
O filme rapidamente coloca em questão a relação entre sexualidades divergentes e a boêmia, também detectada em outros trabalhos ambientados na mesma época na Espanha, a exemplo de Poucas Cinzas (2009). Neste caso, porém, a homossexualidade e o travestinidade é inscrita com mais força no seu contexto social subterrâneo, que relaciona profundamente sujeitos marginais. Maricões, anarquistas, operários pobres, prostitutas, . Sem tratar de personagens mundialmente famosos como Lorca e Dalí, proporciona um entedimento mais denso do submundo gay da época, e da sua relação, inclusive, com a política. Sem dúvida, um dos filmes mais interessantes do gênero.
Um adendo: o filme tem a participação de ninguém menos que Pedro Almodóvar, como Flor de Nicarágua, rainha da banana, uma das travestis que fazem show no Bataclán.²
¹ Bataclan também é o nome de uma famoso Cabaré na cidade de Ilhéus, Bahia, famosos nos anos 1920 e popularizado pelas obras de Jorge Amado, como Gabriela, Cravo e Canela. O Bataclan ilheense e sua congênere em Barcelona fazem referência a um famoso café-concerto parisiense, construído em 1864.
² Ver em All About Amodóvar: A Passion for Cinema
Originalmente publicado no Núcleo UniSex, em 23 de janeiro de 2014