Pecado da carne, filme de 2009 dirigido por Haim Tabakman é um filme dotado de atmosfera. De fato, o longa transporta o telespectador para as sufocantes ruas do Meah Shearim, o bairro ultra-ortodoxo de Jerusalém, onde uma história de amor entre dois homens termina florescendo com consequências severas.
O longa gira em torno de Aaron Fleischman (Zohar Shtrauss), um dos mais respeitáveis membros da comunidade. Estudioso dos textos sagrados, pai e marido devotado, Aaron também trabalha como açougueiro da comunidade – função importante especialmente num subgrupo judaico que leva as estritas regras dietéticas a extremos. Responsável por uma função tão importante, o protagonista é obrigado a colocar um aviso de busca de um ajudante, já que o volume de trabalho é muito grande. Neste ponto do filme, somos apresentado ao jovem, belo e misterioso Erzi (Ran Danker), que foi aparentemente abandonado por um amigo. Sem lugar para ficar, ele pede emprego a Aaron, que consente em admitir o jovem sem experiência na função.
O filme em seguida apresenta a lenta aproximação física e afetiva dos dois homens, mostrando a tensão sexual entre Aaron e Erzi. Se o desejo por outros homens é rapidamente mostrado por Erzi, que busca reatar a amizade com um rapaz com o qual se envolvera pouco antes, Aaron é a outra face. Não apenas mais contido – se bem que mostrando um desejo sublimado pelo assistente – como também ligado a um discurso religioso que evoca a resistência ao desejo por outros homens.
Rapidamente, entretanto, a relação com Erzi se torna uma alternativa de vida para Aaron: não apenas um assistente ou um amante, mas uma possibilidade de escapar de um cotidiano difícil em em grande parte pouco satisfatório. Seja como pai, religioso ou marido, a frágil arquitetura de vida de Aaron não resiste ao desejo representado pelo assistente.
Neste trecho fica patente um dos elementos mais interessantes do filme: a sensação do sufocamento se traduz numa vigilância da comunidade enquanto instituição das condutas – inclusive sexuais – de seus membros. O romance entre ambos começa a se tornar de conhecimento público, despertando a ira dos vizinhos por duas razões: tanto a relação entre os dois entra no rol do que era considerado uma abominação, como implica no rompimento da confiança como guardião da pureza da comunidade na forma do seu papel como açougueiro. Assim, a mobilização contra os dois é bem mais poderosa do que um caso temporalmente análogo de sexo antes do casamento.
Sem soluções fáceis, o grande mérito de Pecado da Carne é pensar como as vivências do homoerotismo possuem soluções que em seu contexto podem ter consequências bastante graves. Neste sentido, não deixa de ser uma importante reflexão sobre tolerância e intolerância, imposições religiosas de ordem religiosa, bem como os graus de internalização e de concilialção que estas regras podem ter nos sujeitos que vivem sobre elas.
Originalmente publicado no Núcleo UniSex, em 07 de Janeiro de 2014